Sem inventário, sem reconhecimento. E sem reconhecimento, sem preservação — e muito menos recuperação — de boa parte do patrimônio cultural brasileiro. E sem um setor que dê conta de uma tarefa dessa magnitude, nada sai do papel.
Quais são as duas principais esculturas religiosas do Brasil?
Dica: uma tem o tamanho de um edifício; a outra quase cabe na palma da mão.
Acertou quem pensou, respectivamente, no Cristo Redentor e na imagem de Nossa Senhora Aparecida — padroeira do Brasil. Duas obras que, apesar da diferença de escala e visibilidade, compartilham uma condição comum: fazem parte do acervo cultural tombado do país e pertencem a uma categoria do patrimônio material que continua à margem das políticas públicas: os bens móveis e integrados.
Quem cuida daquilo que não está fixo no chão, mas é tão valioso quanto um edifício histórico?
A pergunta não é retórica. A escultura monumental que domina o Corcovado e a pequena imagem encontrada nas águas do rio Paraíba do Sul representam extremos simbólicos e materiais de um mesmo problema: o desconhecimento, a ausência de inventário e a carência de estrutura institucional voltada à preservação de bens móveis e integrados no Brasil.
No grupo dos bens móveis, como a escultura da Virgem de Aparecida e as inúmeras imagens devocionais brasileiras, destaca-se justamente a mobilidade. Incluem-se aí também pinturas, castiçais, pratarias, alfaias, gravuras, medalhas, objetos e artefatos de distintas naturezas e funções.
Já os bens integrados são aqueles que, emborageralmente não façam parte da estrutura física dos edifícios, compõem sua dimensão estética e simbólica. Monumentos urbanos — como chafarizes, obeliscos, coretos e esculturas monumentais, caso do próprio Cristo — estão nesse grupo, ao lado de elementos fixos, como retábulos, forros, púlpitos, coro, portas, portadas, relevos, cantarias e tantos outros.
O que une essas duas categorias? Além de integrarem o núcleo do patrimônio material, apresentam características muito próprias, a começar pela quantidade. Enquanto o número de bens imóveis tombados pela União gira em torno de 1.200, o de bens móveis e integrados associados a cada edificação pode ultraar os 5.000. Isso significa que, numa estimativa otimista, o Brasil possui mais de 6 milhões de bens móveis e integrados com proteção formal. E ainda não estamos contabilizando as coleções museológicas tombadas, algumas com mais de 150 mil itens.
Portanto, se considerarmos apenas a escala do desafio — volume, necessidade de conservação, melhores condições de tratamento e de fruição — já teríamos motivos suficientes para priorizar esses bens na agenda do patrimônio.
Mas há uma questão ainda mais urgente e estruturante: a ausência de identificação. O país protege formalmente um número gigantesco de bens móveis e integrados, mas ainda não conseguiu inventariar nem 5% deles. E não se pode preservar o que sequer se conhece.
A criação de setores e departamentos específicos para essa categoria — nos órgãos de patrimônio, museus, universidades, prefeituras e instituições pares — é uma medida inadiável. Ela permitirá não apenas garantir o o e o uso público desses bens, mas também criar as condições para mitigar o tráfico de bens culturais e, acima de tudo, recuperar um patrimônio que vem sendo sistematicamente subtraído e que hoje circula no mercado sem qualquer controle.
Reconhecer para preservar, preservar para recuperar: essa é a equação que precisamos implementar com urgência.
Fonte: Diário do Rio
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